Aos 17 anos o filho ouviu a pergunta dos pais, que se mostravam ansiosos:
                – Então, já sabe o que vai fazer?
                – Estou pensando.
                – Os vestibulares estão aí, ninguém espera.
                – Ainda não decidi.
                – Quando vai decidir?
                – Eu também me pergunto. Tem tanta coisa!
                – O que vai te dar segurança?
                – Não sei. Alguma coisa na vida dá segurança?
                – Como vai sustentar a família?
                – Que família? Nem tenho namorada, pai!
                A mãe estava ouvindo, quieta. Entrou na conversa:
                – Pois está na hora de ter uma. Para endireitar essa vida!
                O filho voltou-se para um, para outro, chutou o chão com a ponta do tênis.
                – Quer dizer que são duas decisões? Profissão e namorada?
                – Com a tua idade eu já trabalhava, assim me aposentei cedo.
                A mãe voltou à carga:
                – Nunca pensou lá na frente em uma boa aposentadoria, uma vida calma, filhos e netos...?
                – Mãe, eu tenho 17 anos... Aposentadoria? Nem acabei o colegial, nem fiz vestibular, nem tenho emprego.
                – Mas já é um homem! E homem tem de saber o que fazer! Como vai ganhar dinheiro?
                – Pensam que é fácil? No tempo de vocês, já que falam  tanto desse tempo, que nem sei qual é, era mais fácil. Tinha quatro ou  cinco coisas. Banco, comércio, medicina, engenharia, advocacia,  farmácia, funcionalismo público.
                – Coisas que permitiam uma carreira, meu filho.
                – Vocês pensaram no sonho?
                – Que sonho?
                – No meu sonho.
                – E qual é o seu sonho? Vamos! Diga! Quanto dinheiro vai ganhar com o seu sonho?
                – Não sei, ainda não estou dentro dele.
                – Sonhos são bons para sonhar. Mas o que seria da vida real, do pé no chão, do dia-a-dia?
                – Tem tanta coisa. Pensei em ser designer, gosto de  desenho, de fotografia, de cinema. Ou ser paisagista. Pensaram? Desenhar  jardins com plantas? Ou artista plástico! Biólogo é uma profissão  legal, saber sobre a vida de tudo. Químico é outra que posso curtir numa  boa. Ou físico. Meu sonho mesmo era ser astronauta...
                – Estamos vendo, vive no mundo da Lua! Desça na Terra, menino!
                – Menino? Olha a minha idade.
                – Pé no chão.
                – Numa boa posso ser arquiteto, médico. Cirurgião de  cabeça. Um transplantador de corações e órgãos. Verdade. Pensaram? Ou  construir prédios enormes. E gastronomia? Ser chef. Querem coisa  melhor? Ou perfumista. Comandante de avião.
                – Avião? Avião nem pensar, pelo amor de Deus.
                – Encadernador, enólogo. Adoro vinho.
                – Pé no chão, meu filho. Está flutuando!
                – Está todo mundo no ar, pai! Pensa que não converso com  ninguém? Pensa que é fácil nesse mundo de hoje? Informática. É um  caminho. Mas em que especialização? E dentro dessa especialização, em  que campo? Nesse campo, em que segmento? Há milhares de nichos,  profissões, ofícios, trabalhos, mas qual será o meu? Gosto de tudo.
                – Quem gosta de tudo não gosta de nada. Igual a jogador  que joga em todas as posições e acaba não jogando em nenhuma.
                – Outro dia, entrei numa faculdade, fui a departamento  por departamento, olhando, investigando. Esse mundo de hoje é louco,  pai. Tem milhões de profissões e milhões de desempregados. Uma coisa é  legal, não dá dinheiro. Outra dá dinheiro, não é legal. Olha, vocês  esqueceram dessa minha idade, ou talvez naquele tempo fosse diferente.  Agora, é uma angústia desgraçada. E se eu errar? Perco quantos anos?
                Os pais até que concordavam, procuravam uma forma de  ajudar, não sabiam. O mundo atual é cheio de armadilhas, todo mundo fala  em empreendedorismo, em investimento, em mil cursos, phd, mba,  estágios, bolsas, pedem experiência, mas como ter experiência antes do  primeiro emprego?
                – Você tem a vida toda pela frente...
                – Todo mundo diz isso, é clichê, gente. O mundo está  apressado, veloz, apressam a gente para escolher, decidir, encaminhar,  resolver. Como solucionar a vida nessa idade?
                A mãe decidiu:
                – Quer saber? Siga o sonho.
                – E se eu errar?
                – Somente você fará essa cobrança. Os sonhos se  reciclam. Escolha, desiluda-se, canse, mude, a vida é sua, ninguém pode  te cobrar.
                – Siga o sonho. Obrigado, mãe. Agora é só encontrar esse sonho.
              
Ignácio de Loyola Brandão, 72 anos, é escritor e jornalista, tem 32 livros publicados. Recebeu este ano o Prêmio Jabuti de Melhor Ficção de 2008 com o livro O Menino Que Vendia Palavras.
 
 
 
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