terça-feira, 15 de março de 2011

Cobrança do ECAD por música no cinema é uma imoralidade legal.

O que há de comum entre os filmes “Os pássaros” (Alfred Hitchcock), “Onde os fracos não tem vez” (irmãos Cohen), "Pauline na praia" (Eric Rohmer), “Um dia de cão” (Sidney Lumet), "Dez", de Abbas Kiarostami e “A Bruxa de Blair” (Daniel Myrick e Eduardo Sánchez) é que eles não têm música.

Pois acreditem: se qualquer um destes filmes for exibido em qualquer cinema brasileiro, o dono da sala tem que pagar ao ECAD - uma entidade privada - 2,5% do bruto da bilheteria. O dinheiro, supostamente arrecadado para pagar direitos autorais dos músicos inexistentes nestes filmes estrangeiros, sai do bolso do espectador e do dono da sala e vai direto para o ECAD. Este é um exemplo extremo do absurdo em vigor no país, graças a uma lei bizarra nascida na ditadura militar e ratificada em 1998, possivelmente com as melhores intenções, por Fernando Henrique Cardoso e seu Ministro da Cultura, Francisco Wefort.

Quando uma produtora de cinema contrata um músico para fazer a trilha de um filme, ou compra fonogramas ou direitos autorais de uma música já existente, paga aos músicos, aos autores e proprietários dos direitos musicais ou fonográficos, o valor por eles estipulado. Os contratos prevêem a exibição sincronizada da música com o filme, em várias mídias e suportes. Não há justificativa razoável para que apenas os músicos – e não o diretor do filme, o autor do roteiro, o produtor, os atores, fotógrafo, montador, cenógrafos, figurinistas, maquiadores - voltem a receber qualquer pagamento na exibição do filme, sob o pretexto de pagamento de direitos autorais.

Mesmo que a cobrança da taxa do ECAD sobre os ingressos de cinema fosse eticamente aceitável, não é possível que este dinheiro vá parar nas mãos de algum músico autor ou intérprete da trilha do filme, pelo simples fato de que o ECAD não tem a mínima idéia de quem são os autores das trilhas, se é que o filme tem alguma trilha.

Para onde vai o dinheiro que o ECAD arrecada por ano no achaque legalizado aos espectadores (que pagam ingressos cada vez mais caros) e aos proprietários das salas de cinema (que enfrentam todas as dificuldades do mundo para manterem seus negócios), é segredo não revelado pelo site da entidade, mas o valor desta pilhagem amparada em lei pode ser calculado. A Ancine (Agência Nacional de Cinema) divulgou os dados parciais de 2010, foram 136 milhões de ingressos de cinema vendidos no país, com faturamento bruto de 1,3 bilhão de reais. Se não me falha a calculadora, 2,5% disso dá 32 milhões e 500 mil reais.

Filmes são criações coletivas. Os defensores do sistema cartorial do ECAD – uma entidade privada – alegam que falta aos diretores, autores, montadores, atores, organizarem-se para pleitear sua parte do butim. É um argumento que transforma em lema o sarcasmo da frase do Millôr: “Se é para locupletar-se, então que nos locupletemos todos”. Se a tese fosse levada a sério, a atividade de exibição pública de filmes no Brasil seria extinta.

É mais do que justo que os compositores recebam direitos autorais pela execução de suas músicas no rádio, em shows ou mesmo em salões de baile que cobram ingressos (onde as pessoas vão para dançar e ouvir música), mas a lei em vigor, que obriga os espectadores e os proprietários das salas de cinema a entregar seu dinheiro a uma entidade privada que não presta contas a ninguém é uma excrescência jurídica, que se mantém de pé graças ao lobby das grandes gravadoras, ao exército de advogados do ECAD e a leniência, covardia, má intenção ou pura ignorância da sólida maioria dos nossos congressistas.

PELA TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS DO ECAD. PELO FIM IMEDIATO DO PAGAMENTO AO ECAD DA INDEFENSÁVEL E IMORAL TAXA SOBRE OS INGRESSOS DE CINEMA.

Jorge Furtado

Porto Alegre, 14 de março de 2011.


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Texto de Carlos Gerbase sobre a cobrança do ECAD no ingresso dos cinemas:

“O ECAD fixou em 2,5% o percentual pela exibição pública. De onde surgiu este número, que não está previsto na Lei de Direitos Autorais vigente? Que tipo de cálculo foi utilizado? Ao que tudo indica, foi o próprio ECAD que decidiu cobrar 2,5%, em nome dos músicos que diz representar (na verdade, das associações a que os músicos são filiados). Se houve uma negociação para determinar este percentual, quem participou dela, e com que tipo de representação?”

Texto completo:
http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/carlos-gerbase/direitos-autorais-4

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Texto de Giba Assis Brasil sobre a cobrança do ECAD no ingresso dos cinemas:

“A argumentação em defesa do ECAD e sua lógica de arrecadação é sempre a mesma: "a lei diz isso". (Mal comparando, era assim que o Visconde de Barbacena defendia a cobrança do quinto e a aplicação da derrama sobre a população de Vila Rica no final do século 18.) Na minha opinião, a questão deveria ser colocada assim: é JUSTO que um escritório privado, em nome do conjunto dos músicos do país, fique com 2,5% da renda bruta de uma atividade econômica que envolve dezenas de categorias profissionais e que, neste país, na maior parte do tempo, é uma atividade deficitária e mantida basicamente por subsídios públicos?”

Texto completo:
http://www.casacinepoa.com.br/o-blog/giba-assis-brasil/ecad-ataca-novamente

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Lei que institucionalizou a tunga aos espectadores de cinema:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

Site do ECAD. Onde vão parar os mais de 30 milhões de reais arrecadados nos ingressos de cinema?
http://www.ecad.org.br/ViewController/Publico/home.aspx

Texto: Jorge Furtado

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