domingo, 8 de janeiro de 2012

Latim a vista!

Hoje fiz minha inscrição para o SISU na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, e uma das minhas escolhas foi Português/Latim outra Português/Russo. Agora, fica a pergunta: por que estudar Latim ou Russo. A resposta do Russo eu não sei, rsrsrs!

Qual a importância do latim hoje? Por que estudá-lo? Essas são as perguntas que geralmente nós nos fazemos tão logo entramos na primeira aula de latim da faculdade. Motivados pelo medo de alguns veteranos, às vezes chegamos até a negar a importância da disciplina com tais questionamentos. É claro que, muitas vezes, esse temor é corroborado quando somos obrigados a decorar listas e mais listas de desinências de casos, conjugações e etc., todavia, deixar de lado a língua que não só deu origem ao português e demais línguas neolatinas, como também influenciou tantas outras, é deixar de lado a oportunidade de entender, historicamente, como todas essas línguas se relacionam e se transformam. Foi pensando nisso que resolvi escrever esta apologia ao ensino de latim.

O latim nosso de cada dia

Ao contrário do que muitos possam pensar, o latim não é uma língua morta. Ele está mais vivo do que nunca. Não só vivo nas línguas neolatinas, mas em seu uso propriamente dito. Utilizamos a língua latina em algumas situações de nosso dia a dia. Deixamos o curriculum vitae nas empresas para conseguir emprego, fazemos cursos de pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, nossa universidade pode estar localizada em diferentes campi etc. Esses são apenas alguns exemplos de expressões latinas comuns ao nosso cotidiano. É claro que sua influência se estende a outras línguas, por exemplo - ou melhor e.g.: em latim, temos a palavra dominus, que significa "senhor". A partir dessa palavra vieram as palavras "dominar", "condomínio" e o dia dedicado ao Senhor ("domingo"). Note que, há alguns séculos, tínhamos o título de "dom" (Dom Manuel, Dom Pedro I etc.), que caiu em desuso em português - porém, permanece em espanhol. O nome original do seu Madruga, famoso personagem do seriado de TV "Chaves", é, na verdade don Ramón. Temos o resquício dessa palavra apenas em seu feminino "dona" e seu diminutivo "donzela" (que veio de dominicella).
Se formos falar de língua inglesa, os exemplos não são menores. Apenas para citar alguns, temos university, que significa "universidade" - ambas as palavras vieram do latim universitas, isto é, o "universo", a "totalidade das coisas"; e não é essa a ideia de universidade? Outro exemplo curioso: o verbo to delete chegou ao português como "deletar", isto é, apagar algo que foi digitado no computador. Mas o verbo inglês tem origem latina: delere, "destruir" (incrivelmente, a segunda pessoa do plural do imperativo é delete). Então eu deixo a pergunta: será que Kaiser (imperador em alemão) e czar (imperador em russo) têm alguma relação com o império dos césares romanos? (Só para dar uma dica, César se escreve Caeser em latim e uma possível pronúncia é "cáisser").
Deixar de lado a língua que não só deu origem ao português e demais línguas neolatinas, como também influenciou tantas outras, é deixar de lado a oportunidade de entender como todas essas línguas se relacionam e se transformam
Voltando para nossa língua, conhecer latim nos faz raciocinar sobre os sentidos das palavras. Observe: a palavra latina para água é aqua, daí a natação ser um esporte aquático, os seus peixes ficarem em um aquário. Então eu pergunto o que seria aquicultura? Você pode até nem saber ao certo, mas fará uma ideia.
Podemos também falar sobre o que algumas gramáticas chamam de irregularidades da língua e perceber que elas têm explicação na sua história. Uma grande pedra no sapato dos alunos é o plural de palavras terminadas em "-ão". Na verdade, a irregularidade está em conhecer a origem dos três possíveis plurais ("-ãos", "-ões", "-ães"). O plural de "nação" é "nações" porque veio do latim, natione; em "pão" (pane), temos "pães", mas "cristãos" para "cristão" (christianu).
O latim está tão vivo que ainda hoje ele ajuda a criar neologismos. Além do exemplo de "deletar", podemos citar mais esse: "marinheiro", em latim, é nauta - daí o porquê do adjetivo náutico para coisas ligadas à marinha. De nauta teremos "astronauta" ou "cosmonauta", o navegante dos astros ou dos cosmos. Por isso dizemos que quem navega na Internet é internauta

O rei do latim

O latim ainda influencia tanta gente que um estudioso, fã de Elvis Presley, traduziu algumas músicas do rei para o idioma. Professor de linguística da universidade de Jyväskylä, na Finlândia, Dr. Ammondt também já traduziu tangos finlandeses para o latim. Seu primeiro álbum com as versões da música de Elvis, "The Legend Lives Forever in Latin" (A Lenda Vive para Sempre em Latim), foi lançado em 1995 e contém sucessos como "Love me tender" e "Can't Help Falling in Love". Saiba mais no site do professor, http://www.drammondt.com/english/index.php (em inglês), e no site voltado para cultura (em espanhol): http://www.culturaclasica.com/musica/elvis.htm.

A importância do latim

A despeito de tudo isso há as questões culturais que circundam a língua. "Velho" em latim é senex. Em Roma, surgiu uma instituição que era composta pelos mais velhos, tidos como mais sábios - o membro dessa instituição era conhecido como senator. Temos, então, a origem do senado em Roma.
Outro detalhe, o latim é uma língua muito precisa por conta de seus casos e declinações, de modo que ela foi muito utilizada nas ciências e, principalmente, no Direito. Ainda hoje, em alguns países da Europa, é possível escrever uma tese em latim. De igual modo, a língua oficial da Igreja Católica Apostólica Romana é o latim. Perceba que o latim é um ponto em comum entre a Ciência e a Igreja.

Não podemos também esquecer que o latim está vivo também nas músicas. Temos desde cantos religiosos (canto gregoriano), óperas "profanas" (como trechos de Carmina Burana) e até de bandas de heavy metal que fazem músicas em latim (vide box).
Por fim, cabe-nos agora hipotetizar sobre as razões que levam a língua latina a ser considerada persona non grata dos cursos de Letras. O primeiro motivo, certamente, é a ausência de metodologias de ensino que ultrapassem os tradicionais e extensos exercícios de declinação e conjugação. Os alunos muitas vezes se veem obrigados a decorar listas e mais listas de terminações sem compreenderem como aquele conteúdo pode contribuir com a formação de um professor de língua portuguesa. De fato, apesar de o latim contribuir para a solidificação profissional do aluno e mesmo para o aprendizado de outras disciplinas da grade curricular, não raro a língua latina é estudada sincronicamente isolada. A língua latina pode fornecer bases sólidas para estudos históricos da língua, estudos de análise sintática, estudos literários e de crítica literária e até mesmo estudos sociolinguísticos - desde que o professor de latim apresente ao aluno essas relações interdisciplinares. De igual modo, outras disciplinas podem contribuir para o desenvolvimento dos estudos clássicos. Um exemplo seria as contribuições possíveis que as novas teorias de ensino e aprendizagem de língua, desenvolvidas no campo da Linguística aplicada, podem oferecer. Esse campo tem crescido muito - mas apenas em nível de línguas modernas. Também a Lexicografia moderna, hoje voltada para a sala de aula, poderia oferecer ferramentas metodológicas para a produção de dicionários acessíveis ao grande público. Essas ideias, inclusive, poderiam ajudar a combater a crença negativa de que não há nenhum caráter científico nos estudos clássicos.
Outra barreira para o sucesso do ensino do latim nos cursos superiores é a acessibilidade ao material didático. O pouco material existente em língua portuguesa é raro, caro e feito em uma linguagem imprópria para iniciantes. Muitos deles datam de décadas atrás, quando os estudos clássicos eram comuns nas escolas. É claro que, se o aluno lê em outras línguas, as opções se ampliam - na verdade, há uma considerável gama de material em alemão, francês ou mesmo inglês.
De modo geral, são essas barreiras que acabam por difamar o ensino do latim nas faculdades. Por outro lado, é a existência de tais barreiras e a possibilidade de superá-las que tornam esse campo de estudos um ambiente fértil de pesquisa.

Um comentário:

deus grego disse...

belo artigo meu amigo! Parabéns!