Bons tempos aqueles em que a maior glória de
qualquer jornalista era dar furo na concorrência. Esse, aliás, não era prazer
único daqueles que atuavam nos grandes jornais e nas emissoras de rádio e
televisão de ponta da capital, mas também de quem trabalhava em veículos de
todos os tamanhos nos mais distantes rincões da Pátria. Muitos foram os que se
fizeram jornalistas aprendendo a importância da boa notícia, aquela bem
apurada, bem escrita e por isso bem dada. Coisa que nos tempos modernos, o da
volúpia de quem abusa das redes sociais e da total ausência de responsabilidade
com a informação, parece já não ter a mínima importância.
Internet era assunto de visionários, coisa
futurista que hibernava nos laboratórios de pesquisa e nas cabeças dos gênios
que se dedicavam a uma nova ciência, a informática. As oficinas gráficas mais
modernas já haviam substituído os tipos móveis de Gutenberg pela composição a
quente, mas nas redações o máximo que se via dessa modernidade era a chegada
das novíssimas Olivetti Línea 98, que vieram substituir as mais velhas, como a
Lexicon 80, minha companheira de tantos anos. Eu adorava essa pequena notável, pesada,
com estrutura de metal – a que, de longe, melhor aguentou o batente pesado das
redações. Salete, minha mulher, a chamava de “a outra”, alegando que eu passava
mais tempo com a velha máquina do que com a própria esposa.
Aqueles não eram tempos fáceis. Em 1978
vivíamos sob o tacão de uma ditadura que fazia jus ao nome, principalmente
devido ao controle da informação e à repressão imposta aos informadores que
ousavam escrever ou falar com independência. Entretanto, o regime militar já
sinalizava no horizonte com a possibilidade de dar início à distensão, o que
nós, jornalistas, víamos como uma luz surgindo no fim do túnel.
Nessa época eu tocava o Jornal da Cidade, de
Jundiaí, depois de suceder a Waldemar Gonçalves na Chefia de Redação, e
fazia frilasdomingueiros para a Edição de Esportes do
falecido JT. Foi nesse tempo que comecei a cultivar um sonho: atravessar o
corredor do 6º andar e ir trabalhar na redação do Estadão. O que acabaria
fazendo em julho de 1979, convidado para cobrir férias na editoria de Interior,
chefiada por Ademar Orichio, um dos melhores amigos que
conquistei na minha passagem pelo jornal da família Mesquita.
Voltando ao JC, Sandro Vaia, um dos seus criadores, ao
dar-lhe vida o transformara numa espécie de clone gráfico do Jornal da Tarde,
onde trabalhava. O concorrente – o mesmo de ainda hoje – era o Jornal de
Jundiaí, o JJ, e a disputa diária pelo mercado e pela notícia beirava as raias
de uma guerra. Quem trabalhava num, odiava o outro. Dificilmente alguém trocava
de camisa, foram raros os casos ao longo daqueles tempos.
Orgulha-me dizer que foi nas minhas mãos que o
diário comandado por Pedro Geraldo Campos e Gustavo Maryssael de Campospassou por uma grande
transformação. O projeto que comandei lhe deu as condições necessárias para
levar aos seus leitores – os de banca e assinantes – um produto de qualidade
bastante aceitável. Como, por exemplo, a implantação de um novo parque gráfico,
que entre outras melhorias ganhou uma impressora offset. Com ela, o tempo de rodagem
da edição – que nos dias de semana chegava a 20 mil exemplares e a até 30 mil
aos domingos – foi reduzido de várias horas para no máximo 40 minutos. Isso nos
permitia trabalhar com um fechamento em que o deadline podia avançar até alta
madrugada.
As mudanças incluíram também a redação, cuja
modernização, entretanto, devido ao momento político, não foi além de algumas
novidades tecnológicas, pois os computadores eram ainda um sonho distante e
pensar livre ainda não era um livre pensar. Entretanto, as matérias eram agora compostas
não em linotipos e sim em máquinas eletrônicas IBM, com a incrível capacidade –
pasmem!!! – de armazenar até seis mil caracteres na memória.
Outra novidade foi a instalação de um telex,
que abastecia a redação com o noticiário nacional distribuído pela Agência JB e
o internacional, pela Associated Press. Isso permitiu que aposentássemos o
rádio-gravador, com o qual capturávamos o Grande Jornal
Falado Tupi para
podermos “chupar” e copidescar as notícias mais importantes de fora de Jundiaí.
Com tamanha folga no deadline, podíamos nos dar ao luxo de
fechar a edição altas horas, pois o ganho de tempo com a impressão garantia o
compromisso de o jornal ser entregue aos assinantes sempre antes das 5 horas da
manhã.
Numa dessas madrugadas estávamos à espera de
uma matéria sobre jogo do Paulista de Jundiaí, o time de futebol profissional
da cidade, que o saudoso Sidney Mazzonni fora cobrir no
interior. A foto e um texto de não mais que 20 linhas tapariam o buraco aberto
na página 8.
Enquanto o repórter não chegava, de vez em
quando eu ia ao telex ver se pintara alguma notícia interessante. Mas nada que
merecesse reabrir a edição. Na metade da madrugada desse dia, 28 de setembro de
1978, lá pelas 3 e tanto, a notinha de meia linha, carimbada de urgente, me chamou
a atenção: “Morreu o papa João Paulo I. Mais informações em instantes”.
Instintivamente, chamei José Luiz, o Marrom, secretário-gráfico e
clicherista do jornal, e pedi que removesse do past-up a manchete sobre um
acidente de trânsito e abrisse espaço para uma nova.
Nesse meio tempo Mazzoni chegou, escreveu a
matéria de esportes, fechou a 8 e veio me ajudar na mudança da 1ª. Mas o deadlineestava no limite, não dava
para esperar por muito mais informações e o máximo que fizemos foi uma
manchete: “Morre Paulo 1º, papa por um mês”; e sob ela, um olho: “Oriundo de
família humilde, o ex-cardeal de Veneza, Albino Luciani, empossado chefe da
Igreja Católica, Apostólica, Romana em 26 de agosto passado, nasceu em Forno di
Canali em 17 de outubro de 1912. Foi o primeiro papa nascido no século XX e
também o primeiro a usar um nome composto”.
Naquele dia pude sentir o verdadeiro prazer
proporcionado pelo bom jornalismo. Numa época em que o telex e o telefone eram
apenas os mais evoluídos ancestrais de meios de comunicação instantâneos dos
tempos atuais, como MSN, Twitter e Facebook, furamos o JJ e só isso já era
apoteótico. Mas é bem provável também que a manchete do Jornal da Cidade
tenha-se transformado num furo nacional. Desmintam-me se estiver errado...
Por Plínio Vicente da Silva /Portal dos Jornalistas
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