De tempos em tempos, nós – jornalistas – somos surpreendidos com  notícias de demissões coletivas em veículos de comunicação. Atos que  foram batizados carinhosamente de “passaralhos” (imaginem o porquê). Não  vou discutir as razões que levam à dispensa de colegas de profissão –  os motivos dos “ajustes” vão desde a justa necessidade de sobrevivência  do próprio veículo (fazer bom jornalismo pode ser caro) à maximização de  lucros da empresa. Então, para não ser leviano, precisam ser analisadas  caso a caso. Vou me ater ao outro lado do balcão, ou seja, como  reagimos a isso. Até porque, após a atual leva de demissões, não fiquei  sabendo de nenhum ato de solidariedade aos demitidos. Talvez pelo medo  de também perder o emprego, talvez pela sensação de impotência que  resulta da lenta e contínua acomodação, talvez por algo maior que isso.
Trago aqui uma discussão já travada com os leitores. Nós,  jornalistas, muitas vezes não nos reconhecemos como classe trabalhadora.  Devido às peculiaridades da profissão, desenvolvemos laços com o poder e  convivemos em seus espaços sociais e culturais, seduzidos por ele ou  enganados por nós mesmos. Só percebemos que essa situação não é real e  que também somos operários, transformando fato em notícia, quando nossos  serviços não são mais necessários em determinado lugar. 
Ou, às vezes, nem isso. Já vi colegas se culparem por terem sido  demitidos sem justa causa no melhor estilo “perdoa-me por me traíres” de  Nelson Rodrigues. “Deveria ter virado mais madrugadas na redação”,  “deveria ter me oferecido para trabalhar em todos os finais de semana”,  “não deveria ter corrigido o português ruim do meu chefe”…
Fazer protestos por melhores condições, que incluem uma certa  estabilidade para reportar sem temer o que se escreve? Imagina! É coisa  de caixa de banco, de operário sujo de graxa ou de condutor de trem que  atrasam nossa vida e geram congestionamentos na cidade. Ou de inglês,  francês e italiano que têm a vida ganha e mamam no Estado. Enquanto  isso, quem tem consciência de que é um trabalhador e reivindica  coletivamente, como muitos bancários, metalúrgicos e metroviários, tem  mais chances de obter o que acha justo.
Quando vejo algumas coberturas jornalísticas mal feitas de protestos e  greves fico pensando como pessoas que não conseguem se reconhecer como  classe trabalhadora podem entender as reivindicações de trabalhadores. O  fato é que não somos observadores externos e nem podemos ser. Somos  parte desse tecido social, desempenhamos uma função, somos parte da  engrenagem, gostemos ou não. 
Muitos não se perguntam de onde vem o dissídio. Como uma criança que  acha que o leite vem do mercado, pensamos que o reajuste vem do nada,  sem ter sido fruto de muito diálogo entre capital e trabalho. Não é  irônico que os profissionais que informam sobre e analisam a democracia  diariamente não exerçam sua “cidadania profissional”?  
A vida de jornalista, deixando de lado o falso glamour, não é fácil.  Ainda mais para aqueles que são patrões de si mesmo, não por decisão  própria (para empreender algo, por exemplo), mas porque foram empurrados  para isso. 
Sempre gostei do poema do dramaturgo alemão Bertolt Brecht que tratava da indiferença: 
“Primeiro levaram os comunistas,/Mas eu não me importei/Porque não  era nada comigo./Em seguida levaram alguns operários,/Mas a mim não me  afetou/Porque eu não sou operário./Depois prenderam os  sindicalistas,/Mas eu não me incomodei/Porque nunca fui  sindicalista./Logo a seguir chegou a vez/De alguns padres,/ Mas como  nunca fui religioso,/também não liguei./Agora levaram a mim/E quando  percebi,/Já era tarde.”
Andaram pela mesma linha Maiakovski e Niemöller, escrevendo sobre o  não fazer nada diante da injustiça para com o outro, até que, enfim, o  observador passivo se torna a vítima. Hoje, não é comigo, então que se  danem os outros. E quando chegar o amanhã e vierem bater à sua porta?
Ou, lembrando John Donne, poeta inglês, citado em “Por Quem os Sinos  Dobram”, de Ernest Hemingway, ao defender que a morte de qualquer homem  me diminui, pois sou parte da humanidade: nunca procure saber por quem  os sinos dobram. Pois eles dobram por ti.
Por Leonardo Sakamoto
 
 
 
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