Um chapéu, um par de sapatos pretos, um bigode e uma bengala criaram um ícone. A partir da primeira semana de outubro, o Instituto Tomie Ohtake consagra uma exposição a Charles Chaplin exibindo mais de 200 documentos, imagens e vídeos em torno de sua figura.
A mostra, concebida há alguns anos pelo curador francês Sam Stourdzé, rodou a Europa e foi exibida no México e nos Estados Unidos antes de desembarcar por aqui.
Graças à proximidade com a família de Chaplin, Stourdzé foi um dos primeiros pesquisadores convidados a explorar o acervo dos documentos do ator e cineasta.
Passou quase quatro anos imerso nas cerca de 10 mil imagens. E é deste "baú" chapliniano que saíram 80% da exposição --outros 20% vieram de coleções privadas.
No conjunto, estão filmogramas, fotos, desenhos e cartazes de filmes, formando um todo iconográfico que atravessa a vida de Chaplin (1889-1977) e suas facetas de ator, produtor, comediante, dançarino e roteirista.
"A cada nova exibição vão sendo acrescentados novos elementos", disse o curador à Folha, por telefone, de Lausanne (Suíça), onde hoje dirige o Musée de L'Elysée, um dos importantes centros de fotografia da Europa.
"Incluímos principalmente cartazes de filmes impressos em diferentes países do mundo. Acho que ainda há muito a ser encontrado."
Segundo ele, a exposição nasce da tentativa de, via Chaplin, contar a história da "revolução" que representou a passagem do cinema mudo ao cinema falado e relembrar a situação política do período que vai da Primeira Guerra à ascensão do nazismo.
"Chaplin foi um dos raríssimos cineastas a falar de Hitler no calor do momento. As pessoas tendem a esquecer que 'O Grande Ditador' começa a ser rodado em 1938", ressalta.
Para Stourdzé, um dos desafios centrais do trabalho foi o de transformar um registro primordialmente audiovisual em uma exposição coerente, combinando diferentes suportes de exibição.
"Como levar o cinema para o museu? Esse é um campo relativamente recente de investigação para a curadoria. Dez anos atrás, era impossível fixar uma tela na parede como se fosse um quadro. A tecnologia tornou isso viável, mas é preciso criar um diálogo entre o cinema e as imagens fixas que faça sentido e conte uma história."
MÍMICO
Nascido em Londres, em 1889, o comediante trabalhou no teatro de variedades como mímico até sua ida para os Estados Unidos, em 1913.
Ali, fez carreira, montou seu próprio estúdio e acompanhou de perto a crise de 1929 até ser exilado na Suíça em 1952, acusado se ser "simpatizante do comunismo" em tempos de Guerra Fria.
A máquina que ele havia retratado tão bem no filme "Tempos Modernos" (1936) não podia parar.
Chaplin é uma figura difícil de abordar, especialmente porque se confunde com o personagem que criou, Carlitos, o vagabundo. Talvez por isso causem impacto as imagens do homem longe do traje que o celebrizou --há algumas delas na mostra.
Carlitos é o resultado de um processo de maturação. Em sua "primeira versão", o personagem era apenas trapalhão de comédia pastelão.
Aos poucos foi ganhando os contornos do melancólico solitário que possui a dignidade de um cavalheiro, mas passa fome e usa sapatos esfarrapados visivelmente maiores que seu número.
Ele se tornaria o protagonista das grandes produções de fôlego rodadas por Chaplin nos anos 30 --"Tempos Modernos" e "O Grande Ditador", já mencionados, além de "Luzes da Cidade" (1931), seu grande filme de amor.
Mas o impacto de Chaplin em sua época não ficou restrito ao cinema. Impressionados com a popularidade de sua figura, artistas dos anos 1920 e 1930 viram, em seus movimentos líricos e mecânicos, uma encarnação da modernidade.
Foi graças ao poeta Guillaume Apollinaire que uma boa parte do meio artístico de vanguarda entrou em contato com o cinema de Chaplin. Impactado, o artista francês Fernand Léger criou quatro gravuras "Carlitos Cubista", um dos destaques da exposição em tempos pós-modernos.
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