O kit anti homofóbico, popularizado como kit gay, é uma questão que revela muito da atual situação no Brasil. Com mais de 80% de sua população morando nas cidades, e um moderno sistema de telecomunicações que ao mesmo tempo em que homogeneíza comportamentos, ditos liberais, faz com que todos se sintam de certa maneira partícipes da mesma cena urbana, coloca, entretanto, novas questões e problemáticas advindas destas novas realidades.
O crescimento do tecido urbano ao invés de criar uma sociedade coesa e homogênea, aumenta na verdade a fragmentação, a divisão e o distanciamento, característica inegável das cidades à medida que crescem e se desenvolvem. O que antes era uma sociedade que partilhava valores, comportamentos, ritos sociais e religiosos, comuns nas comunidades rurais e em cidades pequenas do interior do país, passa a ver, por outro lado, o surgimento de grupos e tendências que extrapolam a cultura comum herdada e, defensores de novos etos societários.
A questão quente dos kits gays nas escolas estaduais se enquadra perfeitamente nessa questão. A Escola Pública que sempre foi o lócus de reprodução de comportamentos socialmente aceitos e padronizados como norma, é hoje um lugar disforme, sem vocação nem identidade e que recebe diariamente milhões de crianças e jovens não raras vezes provenientes de ambientes sociais e familiares desestruturados. Estas crianças e jovens carregam mais as características da desestrutura urbana, marcantes em espaços de pobreza, do que uma identidade clara e definida do que são. Nesse sentido, a Escola é mais um espaço de reunião de milhões de jovens em situação social e cultural semelhante e, precária, do que um lugar de reprodução de saber e educação.
Descendentes de famílias marcadas pelo abandono paterno ou, pai em situação de semi emprego, pela presença marcante da delinquência juvenil, precariedade econômica, ausência materna dada à exigência de ser ao mesmo tempo mãe e provedora, o envolvimento dos jovens na economia do crime como forma de resolver uma crise ao mesmo tempo de não formação educacional, mas também uma resposta para uma identidade em formação, tudo isso está contido nesse jovem, aluno da Escola Pública. Bem se observam que crianças e jovens de periferia ou de bairros pobres travam uma brava luta pela sobrevivência identitária e psíquica. Aponte-se que a questão não é meramente sexual, mas do Ser em sua totalidade.
Para o que está em tela nessa discussão basta dizer que, estas pessoas encontram-se sem referência familiar, sem referência de valores e princípios norteadores, sem referência de políticas públicas estruturantes (Escola abandonada), e por consequência sem referência emocional e identitária. As crianças e jovens pobres, para não dizer os jovens de classe média, são hoje a cartografia da desestrutura social que toma conta das cidades brasileiras.
Resulta disso que, incapazes de se pensarem a si mesmos, no caso dos jovens, nem ao menos de viverem espontaneamente a infância que deveriam, no caso das crianças, o que vemos é a instalação da violência como forma última de afirmação social e a tentativa, via economia da criminalidade, de ocupar um lugar no mundo do consumo. A violência nesse caso talvez seja menos contra os Gays e mais uma reação contra a violência objetiva da realidade que são obrigados a viver.
É nesse contexto que surge a proposta de distribuição do Kit anti homofóbico. Uma proposta que visa combater a violência e o preconceito contra este grupo social. A completa ineficácia do projeto, ainda que a intenção seja nobre, está no fato de que o grupo social a que se destina, jovens em idade escolar, está em sua maioria esmagadora desaparelhada para pensar sobre tão sofisticada questão que é esta da sexualidade e seus desdobramentos, num contexto de vida em que outras exigências são prementes e prioritárias. Isso significa dizer que se a Escola Pública, nesse caso do Kit, fosse o objetivo central da luta GLBT e, dentro deste processo emergisse as demandas individuais deste grupo, ela seria legítima. Mas como está colocada, sugere mais uma campanha em prol de um grupo específico do que uma luta por uma sociedade mais justa e solidária.
Resulta do fato que, mais parece que os grupos GLBT pretendem marcar terreno político e publicitário com o Kit do que propriamente debater a realidade de crianças e jovens das Escolas Públicas, que por si só já vivem uma realidade violenta.
Por último, a discussão da sexualidade tal qual vem sendo colocada não apenas pelos grupos homossexuais, é sempre com um viés individualista e privatizante. Quando o que estamos vivendo é o agravamento do modelo de vida privado, individualista que descarta o coletivo e o espaço público, com seu corolário que é uma sociedade de corte profundamente egoísta.
Entre uma Escola Pública falida e o que tudo isso implica de prejuízos coletivos para o país e para as famílias, e o direito individual a expressão sexual sem nenhum valor maior que simplesmente a expressão de um desejo individual, eu penso que o coletivo deve sobrepor o indivíduo.
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